Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.
Bertold Brecht. Trecho do poema À posteridade.
O livro da filosofa Hannah Arendt, Homens em tempos sombrios, nos apresenta personalidades que sempre fascinaram e que viveram num período de calamidades. O título da obra veio do poema de Bertold Brecht À posteridade, que cita a desordem, a fome, o ultraje e a injustiça no mundo.
A obra foi escrita ao longo de doze anos, uma coletânea de ensaios e artigos, que se refere basicamente à pessoas – como viveram suas vidas e foram afetadas pelo tempo histórico. As personalidades são todas diferentes entre si, mas tem em comum o fato de que viveram em tempos terríveis, marcados por catástrofes políticas, desastres morais e pela emergência do totalitarismo na forma do nazismo e stalinismo.
Uma das personalidades contempladas na obra é Rosa Luxemburgo. Designada por antissemitas, reacionários e fascistas como a “rosa sanguinária” e pelos amigos como uma pessoa sensível, amante de pássaros e flores, talvez não tenha nenhum dos dois extremos.
Hannah Arendt nos apresenta uma Rosa Luxemburgo humana, uma pessoa que errou em alguns momentos e acertou em outros. Uma mulher que conhecia Goethe e Morike de cor, tinha um gosto literário impecável, uma formação política russa e padrões éticos exclusivamente seus. Pertencia a um núcleo de amizades formado por judeus assimilados, pertencentes a classe média.

Em relação a obra A acumulação de capital, Rosa explica que o capitalismo não é consequência de leis inatas que regulam a produção. A expropriação precisa repetir-se reiteradamente para manter o sistema em movimento. O capitalismo não é um sistema fechado que gera suas próprias contradições e traz em seu bojo a revolução como afirmou Marx, mas um sistema econômico que se alimenta de fatores externos, e seu colapso só poderá ocorrer quando toda a Terra for conquistada.

As intelectualidades judaicas, dentre elas Rosa Luxemburgo, nunca conseguiram entender as dimensões do nacionalismo, pois não se viam como pessoas “internacionais” e tinham uma crença errônea de que eram tão alemães quanto os alemães, tão franceses quanto os franceses. Normalmente poliglotas nunca conseguiram entender o problema da barreira linguística. Rosa, por exemplo, falava fluentemente polonês, russo, alemão e francês e conhecia muito bem inglês e italiano. O lema “a pátria da classe operária é o movimento socialista” demonstrou-se um desastre.
Outra questão muito incômoda para Rosa Luxemburgo foi a sua aliança com o Partido Social Democrata Alemão. O referido grupo convertera-se numa imensa burocracia organizada, não tinha nenhuma intenção de fazer uma revolução. Acreditava que uma revolução socialista poderia ocorrer somente em terras bárbaras como a Rússia.
Rosa Luxemburgo criticava Lênin duramente. Para Lênin as guerras eram bem-vindas, já Rosa via as mesmas como a mais terrível das catástrofes, o preço em vidas proletárias era alto demais, não importava qual fosse o resultado. Acreditava que tomar o poder a qualquer preço poderia gerar uma revolução “deformada”, que prejudicaria mais a esquerda do que um fracasso.
Os acontecimentos do socialismo real provaram que ela estava certa. Os desmandos de Lênin e Trotski e as barbaridades de Stálin causaram mais danos à revolução do que qualquer derrota política.

Infelizmente, Rosa não viveu o suficiente para ver a deterioração dos Partidos Comunistas pelo mundo, que tiveram suas diretrizes definidas pela União Soviética.

Dessa forma, compreendo que as ideias da Rosa Luxemburgo pertencem a todos os lugares, onde se discuta seriamente a história das ideias políticas.
Fonte:
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
[…] Fonte: Homens em Tempos Sombrios: Rosa Luxemburgo […]
CurtirCurtir